março 15, 2025

Gangsters digitais e a nova taxa de proteção

Confira o artigo inaugural do recém-lançado Observatório da Blogosfera:

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Não é de hoje que a sociedade é obrigada a conviver com o poder paralelo do crime organizado. Mafiosos de diferentes épocas e localidades empreenderam seus “negócios” à margem da legalidade, em diferentes ramos de atividade e invariavelmente utilizando de violência e ameaças para garantir seus “contratos”.

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A cena é recorrente no cinema: gângsters recolhendo a devida “taxa de proteção” (ou “taxa de segurança”) dos comerciantes de uma localidade, em troca de eles mesmos se absterem de causar problemas. No código penal o nome disso é “extorsão”, e ainda que lhe ocorra a imagem de alinhados capangas italianos numa Chicago do passado, ocorre por aqui mesmo diariamente em favelas e outras regiões dominadas por grupos criminosos – e abandonadas pelo poder público. A internet é uma delas.

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No despontar do dia 31 de maio do ano passado alguns blogueiros brasileiros viram seus blogs serem “derrubados” por um número excessivo de requisições e em seguida receberam uma menção no Twitter de um perfil chamado @LeTangoBlog com a “recomendação” de que deveriam seguir para tratar do assunto por DM. Assustados com o ataque, a maioria obedeceu, e em particular receberam a confirmação da chantagem. Nas palavras do meliante: “Tenho um acordo a oferecer, gostaria que meu banner fosse adicionado em seu blog, em troca ele não será mais atacado”.

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Num dos capítulos mais bizarros da história recente da blogosfera, blogs profissionais como Testosterona, Bobagento, Le Ninja e Fail Wars foram efetivamente sequestrados por um blogueiro “hacker” e, para poderem cumprir os contratos de publicidade do dia sem novos contratempos, se viram obrigados a incluir o tal banner do blog “Le Tango” nos layouts de seus blogs. Uma das vítimas, o dono do blog Não Ligo, relatou que ainda procurou ajuda das autoridades, mas foi atendido com incompreensão e desdém. A coisa só foi ser resolvida quando um grupo hacker brasileiro, supostamente ligado à organização internacional Anonymous, tomou conhecimento do ocorrido e se pronunciou contrário à extorsão. Em poucos instantes o tal “Le Tango” é que estava fora do ar e a paz reinava novamente no seio da blogosfera (saiba mais sobre o ocorrido aqui).

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Mais recentemente observamos com certa estranheza uma publicação do blog Kibe Loco sobre a campanha da Gillette para o carnaval. Em seu texto, “Despeitados”, o  blogueiro Antônio Tabet se insurge inflamado contra uma “ditadura dos pelos” contida nas campanhas da marca. Além de rechaçar o “absurdo” de uma fabricante de lâminas de barbear tentar promover a venda de seu produto (onde já se viu uma coisa dessas? Daqui a pouco veremos anúncio de xampú anti-caspa ofendendo a imagem das caspas…), o blogueiro ainda debochou das celebridades envolvidas e encerrou seu manifesto contra o “padrão estético imposto” estampando vitorioso uma das fotos da campanha em que aparecia a cordinha do absorvente interno de uma das modelos.

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Todo este empenho em contestar uma iniciativa publicitária, ainda mais num blog que costuma habitar as mais rasas dimensões da informação, chamou a atenção de blogueiros, publicitários e profissionais de mídias sociais para o fato de que talvez houvesse alguma motivação além da ideológica. E não seria a primeira vez que alguém iria parar na boca do sapo de Tabet.

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Em 2011, o humorista Fábio Gueré foi alvo de uma campanha difamatória sem precedentes do Kibe. No artigo entitulado “Stand-up tragedy”, o comediante foi tratado com muitas aspas, críticas e sua contratação foi explicitamente desaconselhada pelo blogueiro. O motivo do ataque? Uma piada de Gueré sobre a originalidade das piadas do “Kibe” – não por acaso um sinônimo contemporâneo para “plágio”. No ano seguinte o fenômeno se repetiu com o artigo “Perdeu, Playboy!”, em que Tabet comemorou publicamente a notícia de que um desafeto, o publicitário Eden Wiedemann, estaria sendo investigado por um suposto crime eleitoral (ele teria publicado em seu Twitter uma notícia de 2009 do portal Terra sobre o cancelamento do Enem). Tais condutas permitem concluir que o blogueiro não vê muitos problemas em lançar mão de seu veículo para tentar prejudicar eventuais inimigos, e nos fazem especular o que poderia ter verdadeiramente motivado a revolta contra o mercado de barbeadores.

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Estabelecido tal debate nas redes sociais, surgiu a informação de que a produtora Porta dos Fundos, encabeçada por Tabet, teria oferecido a produção de um de seus vídeos cômicos para reverter a repercussão negativa da campanha da Gillette, num expediente que fora assumido com orgulho pelo próprio Kibe em um caso semelhante. Segundo publicado em “Spoleto (parte 2)”, a rede de restaurantes teria entrado em contato com o blog para encomendar um vídeo que amenizasse as críticas feitas em uma esquete anterior da Porta dos Fundos. A “jogada publicitária genial” ganhou atenção da imprensa, que ignorou o fato de que toda sua negociação e realização teriam ocorrido no período de 16 dias entre o lançamento do primeiro (13/08/2012) e do segundo vídeo (29/08), sem falar que apenas uma semana depois estreava nos cinemas o filme “Totalmente Inocentes”, protagonizado por Fábio Porchat, estrela do Porta dos Fundos, e patrocinado  – vejam vocês – pela mesma Spoleto que só tinha entrado em contato após a divulgação do primeiro vídeo. Um restaurante da rede, inclusive, foi cenário de gravações. Decerto temos aqui o filme mais rapidamente produzido da história do cinema – ou uma macarrônica coincidência do destino.

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Não obstante as artimanhas tramadas nos bastidores que nunca chegarão ao conhecimento do público, o fato é que a veiculação de publicidade se apresenta em modalidades cada vez mais obscuras quando o veículo não vê problemas em mascarar a realidade para enganar seu público. E não falo apenas de jabás disfarçados na forma de notícias interessantes, mas principalmente da possibilidade de um texto crítico publicado em um blog ter uma gênese tão nefasta.

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A Gillette não pagou a taxa e foi parar no Conar, acusada de “preconceito contra homens peludos”. Prevejo um futuro próximo em que marcas serão feitas reféns por blogs de humor. Ou anunciam ou sofrem campanhas difamatórias.

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Ainda é melhor que as antigas técnicas de coação física, mas por via das dúvidas é bom ficar esperto: mafiosos não costumam usar a porta da frente.

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Acompanhe os bastidores da internet no Observatório da Blogosfera.

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