
Linawati Sidarto viveu quase tanto tempo em Amsterdam quanto na Indonésia, mas afirma não saber se algum dia conseguirá se sentir holandesa. Crédito: Venetia Rainey
n
Esta matéria de Venetia Rainey foi publicada originalmente no PRI.org, em 16 de maio de 2017. Foi reproduzida aqui como parte da parceria entre PRI e Global Voices.
n
Linawati Sidarto investiga as prateleiras numa pequena toko, um mercadinho indonésio, em Amsterdam.
n
“Preciso pegar sambal, é claro, o molho de pimenta”, diz, enquanto escolhe o maior vidro da ardente pasta vermelha comumente usada na culinária indonésia.
n
n
Sidarto, 51 anos, visita esse toko com frequência, para comprar mantimentos que a lembram de casa. Nascida em Jacarta, mora em Amsterdam há 19 anos, quase tanto tempo quanto viveu na Indonésia. Ela é casada com um holandês e tem duas filhas adolescentes, as quais descreve como “bem holandesas”. Também fala holandês fluentemente. Apesar disso, não sente que realmente pertence ao país.
n
“Há uma palavra um pouco depreciativa para os migrantes [não ocidentais], que é allochtoon“, explica Sidarto. “Minhas filhas sempre dizem: ‘Ah, claro, mas mãe, você é uma allochtoon, você nunca vai entender’”.
n
Ela ri, antes de acrescentar: “É uma brincadeira, mas tem certa verdade. Emocionalmente, nunca me sentirei holandesa. É provável que eu nunca consiga dizer que sou holandesa”.
n
Essa questão sobre quem é holandês — e o que ser holandês significa e quem decide isso — tem sido debatida intensamente na Holanda nos últimos meses. Em março, ocorreu uma eleição decisiva em torno de temas como identidade, integração e o Islã. O político de extrema-direita Geert Wilders foi fundamental para a incitação de sentimentos nativistas. Certos elementos de sua retórica também foram adotados pelo primeiro-ministro vigente, Mark Rutte. Em uma carta aberta, ele disse para as pessoas na Holanda “agirem de forma normal ou irem embora”, o que foi amplamente interpretado como uma chamada para os imigrantes se integrarem — se assimilarem, até mesmo — o máximo possível.
n
Contudo, para os novos imigrantes, como Sidarto, não é sempre tão fácil assim.
n
“[Os holandeses] não necessariamente deixam outras pessoas entrarem em seu círculo íntimo com facilidade”, explica, recordando seus primeiros anos no país, quando tinha 30 e poucos anos. “Eles não convidam para jantar na casa deles ou tomar algo. São educados no trabalho, e aí vão embora. Foi muito, muito difícil para mim no começo”.
n
Como veio da Indonésia, uma ex-colônia holandesa, Sidarto já falava bem o idioma mesmo antes de chegar à Holanda e tinha parentes no país. Ainda assim, sofreu para torná-lo seu lar. Mesmo hoje, a maioria de seus amigos é formada por outros imigrantes ou holandeses que moraram no exterior.
n
Para Kami Zarker, 42 anos, a experiência de tentar se tornar holandês foi ainda mais complicada.
n
Zarker chegou como refugiado do Irã em 1994. Ele tinha 21 anos, nenhum conhecimento da língua e do país. Em um jardim botânico em Amsterdam, onde vai para se lembrar de sua terra natal, explica como, nos primeiros anos, se esforçou muito para aprender holandês e fazer amigos. Seu pedido de asilo foi negado, mas conseguiu um visto de estudante e, mais tarde, recebeu a cidadania.
n
Hoje, Zarker vive com a esposa iraniana e dois filhos em Amsterdam. Quando retorna ao Irã, diz não se sentir mais em casa — mas também não se sente totalmente em casa na Holanda. Brincando, se descreve como 60% holandês e “40% eu mesmo”.
n
“Acho que se passar mais de cem anos aqui, ainda não serei holandês de verdade”, afirma Zarker, resignado. “Eu tento ser, mas não sou.”
n
Para os imigrantes de segunda geração, a questão de quão holandeses eles são é ainda mais espinhosa.
n
“Perguntam-me sobre isso o tempo todo”, diz Huda Abu Leil, uma estudante de assistência social de 22 anos nascida na Holanda. Seu pai é da Palestina, sua mãe é do Marrocos. “‘Como você se sente? Você se sente palestina, marroquina, ou holandesa?’”
n
“Às vezes, me sinto holandesa, mas com tudo que acontece no mundo, alguns holandeses não me veem [como] holandesa”, acrescenta Abu Leil, com um tom de frustração na voz. “Sempre penso: ‘Oh, OK, o que eu sou?’”
n
Abu Leil foi a uma escola islâmica e usa um véu solto. Ela conta que todos seus amigos, com a exceção de um, são muçulmanos, o que admite achar “estranho”. Ainda assim, nunca sentiu a necessidade de justificar sua identidade para alguém, fato ocorrido somente uma vez.
n
Servindo um pouco de chá marroquino doce, uma bebida básica em sua casa, Abu Leil se recorda de um incidente no primeiro ano da universidade, quando ela e seus amigos muçulmanos foram repreendidos por colegas de classe por serem muito fechados. Abu Leil não conseguiu entender o que estava errado — ela afirma que todos na universidade pertencem a algum tipo de grupo. A discussão ficou tão tensa que um professor interveio e perguntou a Abu Leil e a seus amigos o que estava acontecendo.
n
“E nós ficamos bravos porque pensamos: ‘Por que você vem falar com nós e não com os outros alunos [também]? Por que somos sempre nós? O que fizemos errado?’ Quando penso sobre isso, fico brava e confusa.”
n
A ideia de que o recém-chegado deve fazer um esforço extra para se encaixar é comum na Holanda e, de fato, em vários países.
n
Porém, em que momento alguém que construiu sua vida aqui pode simplesmente ser ele mesmo e ainda assim sentir que pertence a este país?
n
Venetia Rainey escreveu esta história de Amsterdam.
n
More Stories
Comitê Paralímpico Brasileiro lança documentário Mulheres no Pódio
Comitê Paralímpico Brasileiro lança documentário Mulheres no Pódio
Briga com homens trocando soco em supermercado em Mairinque assusta clientes