março 17, 2025

Os terríveis sintomas da raiva inspiraram contos populares de lobisomens, vampiros e outros monstros

Traduzido por Julio Batista
nOriginal de Jessica Wang para a The Conversation

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Em 1855, o Brooklyn Daily Eagle noticiou o horrível assassinato de uma noiva por seu novo marido. A história veio do interior da França, onde os pais da mulher haviam inicialmente impedido o noivado do casal “por causa da estranheza da conduta, às vezes, observada no jovem”, embora ele “fora isso fosse um bom partido”.

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Os pais finalmente consentiram e o casamento aconteceu. Pouco depois dos recém-casados ​​passarem a lua-de-mel, “gritos de medo” vieram de seus aposentos. As pessoas chegaram rapidamente encontrando “a pobre moça… agonizando na morte – com um de seus seios rasgado e dilacerado da maneira mais horrível, e o miserável marido em um ataque de loucura delirante e coberto de sangue, tendo de fato devorado uma parte do seio da infeliz moça.”

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A noiva morreu pouco tempo depois. Seu marido, depois de “uma resistência muito violenta”, também faleceu.

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O que poderia ter causado esse terrível incidente? “Foi então lembrado, em resposta a perguntas minuciosas de um médico”, que o noivo havia “sido mordido por um cachorro estranho”. A passagem da raiva de cachorro para humano parecia ser a única razão possível para a terrível reviravolta nos acontecimentos.

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O Eagle descreveu o episódio com naturalidade como “um caso triste e angustiante de hidrofobia” ou, na linguagem de hoje, raiva.

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Mas o relato parecia uma história de terror gótica. Era essencialmente uma narrativa de lobisomem: a mordida do cachorro louco causou uma metamorfose hedionda, que transformou sua vítima humana em um monstro nefasto cujos impulsos sexuais perversos levaram a uma violência obscena e repugnante.

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Meu novo livro, “Mad Dogs and Other New Yorkers: Rabies, Medicine, and Society in an American Metropolis, 1840-1920”, explora os significados ocultos por trás das formas como as pessoas lidam com a raiva. Variantes da história do noivo raivoso foram contadas e recontadas em jornais de língua inglesa na América do Norte desde pelo menos o início do século 18, e continuaram a aparecer até a década de 1890.

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O relato do Eagle era, em essência, um conto popular sobre cães raivosos e a tênue linha divisória entre humanos e animais selvagens. A raiva criava medo porque era uma doença que parecia capaz de transformar as pessoas em feras furiosas.

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Uma doença terrível e fatal

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Um lobisomem causando terror nesta xilogravura de 1512. (Créditos: Lucas Cranach, o Velho, Museu Herzogliches/Wikimedia Commons)

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O historiador Eugen Weber certa vez observou que os camponeses franceses do século 19 temiam “acima de tudo lobos, cães raivosos e incêndios [que devastavam suas colheitas]”. A loucura canina – ou a doença que conhecemos hoje como raiva – evocou os terrores selvagens que formaram pesadelos durante séculos.

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Outras doenças infecciosas – incluindo cólera, febre tifoide e difteria – mataram muito mais pessoas no século XIX e início do século XX. O grito de “cachorro louco!” no entanto, provocou uma sensação imediata de terror, porque uma simples mordida de cachorro pode significar uma provação prolongada de sintomas extenuantes, seguidos de morte certa.

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A medicina moderna sabe que a raiva é causada por um vírus. Uma vez que entra no corpo, viaja para o cérebro através do sistema nervoso. O atraso típico de semanas ou meses entre a exposição inicial e o início dos sintomas significa que a raiva não é mais uma sentença de morte se um paciente receber rapidamente injeções de anticorpos imunológicos e vacina, a fim de construir imunidade logo após encontrar um animal suspeito. Embora seja raro as pessoas morrerem de raiva nos Estados Unidos, a doença ainda mata dezenas de milhares de pessoas em todo o mundo todos os anos.

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O vírus afeta o cérebro, como visto nas regiões roxas mais escuras, chamadas corpos negri, nas células cerebrais de alguém que morreu de raiva. (Créditos: CDC/Dr. Makonnen Fekadu, CC BY)

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De acordo com fontes do século XIX, após um período de incubação de quatro a 12 semanas, os sintomas podem começar com uma vaga sensação de agitação ou inquietação. Eles então progrediram para os episódios espasmódicos característicos da raiva, juntamente com insônia, excitabilidade, febre, pulso rápido, salivação e dificuldades na respiração. As vítimas frequentemente exibiam alucinações ou outras perturbações mentais também.

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Esforços para mitigar surtos violentos com medicamentos muitas vezes falhavam, e os médicos podiam fazer pouco mais do que ficar parados e testemunhar. O resultado final disso se dava apenas depois que a doença seguia seu curso inevitavelmente fatal, geralmente durante um período de dois a quatro dias. Ainda hoje, a raiva permanece essencialmente incurável uma vez que os sinais clínicos aparecem.

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Séculos atrás, a perda do controle corporal e da racionalidade desencadeada pela raiva parecia ir contra a humanidade básica das vítimas. De uma terrível doença transmitida por animais surgiram visões assustadoras de forças sobrenaturais que transferiam poderes de animais malévolos e transformavam pessoas em monstros.

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Mordidas que transformam pessoas em animais

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Os relatos estadunidenses do século XIX nunca invocavam o sobrenatural diretamente. Mas as descrições dos sintomas indicavam suposições tácitas sobre como a doença transmitia a essência do animal para o sofrimento humano.

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Os jornais frequentemente descreviam aqueles que contraíam raiva por mordidas de cachorro como selvagens latindo e rosnando como cachorros, enquanto as vítimas de mordidas de felinos se coçavam, cuspiam e sibilavam. Alucinações, espasmos respiratórios e convulsões descontroladas produziam impressões assustadoras da marca maligna do animal raivoso.

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As medidas preventivas tradicionais também mostraram como os estadunidenses silenciosamente marcaram uma fronteira tênue entre a humanidade e a animalidade. Os remédios populares sustentavam que as vítimas de mordida de cachorro poderiam se proteger da raiva matando o cachorro que já as havia mordido, colocando o pelo do cachorro agressor na ferida ou cortando seu rabo.

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Tais medidas preventivas implicavam a necessidade de cortar um laço invisível e sobrenatural entre um animal perigoso e sua presa humana.

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Às vezes, a doença deixava vestígios sinistros. Quando um morador do Brooklyn morreu de raiva em 1886, o New York Herald registrou uma ocorrência bizarra: poucos minutos após o último suspiro do homem, “o círculo azulado em sua mão – a marca da mordida fatal do cachorro terra-nova… desapareceu”. Para eles, só a morte quebrou o domínio pernicioso do cão raivoso.

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As origens dos vampiros em cães raivosos

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É possível que, junto com os lobisomens, as histórias de vampiros também tenham se originado da raiva.

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O médico Juan Gómez-Alonso apontou uma correlação entre vampirismo e raiva nos sintomas sinistros da doença – os sons distorcidos, aparências faciais exageradas, inquietação e, às vezes, comportamentos selvagens e agressivos que faziam os sofredores parecerem mais monstruosos do que humanos.

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A hipersensibilidade extrema a estímulos, que desencadeiam os tortuosos episódios espasmódicos associados à raiva, pode ter um efeito particularmente estranho. Uma olhada no espelho pode desencadear uma reação violenta, em um paralelo arrepiante com a incapacidade do vampiro morto-vivo de projetar um reflexo.

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Além disso, em diferentes tradições folclóricas da Europa Oriental, os vampiros não se transformavam em morcegos, mas em lobos ou cães, os principais vetores da raiva.

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A diversão de se fantasiar de lobisomem no Halloween sugere o medo de uma pessoa se tornar um animal selvagem. (Créditos: AP/Daniel Hulshizer)

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Então, enquanto aspirantes a lobisomens, vampiros e outras assombrações saem às ruas no Halloween, lembre-se de que, por trás do ritual anual de doces e diversão fantasiada, estão os períodos mais sombrios da imaginação. Aqui os animais selvagens, a doença e o medo se misturam, e os monstros se materializam no cruzamento entre a animalidade e a humanidade.

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